Teste de aptidão

Não sei o que eu quero ser ou o que sou. Sei apenas o que não fui. Meu confuso — e influenciável — espírito chegou ao consultório da psicóloga. Vou fazer um teste de aptidão. Às 17 horas tenho minha resposta: o que vou ser quando eu crescer?

Antes da psicóloga veio a recepcionista.

“Como vai?” sorriu a moça.

“Vou indo.”

“Ruim assim?”

Que olhos lindos! “O caso é grave?”

“Como vou saber? A doutora é outra.” Menino engraçado.

“A doutora dá o veredito. Porém você, pelo jeito que a pessoa entra, já sabe o que vai ser. Não sabe?” Aí meu Deus! O que estou falando?!

“Às vezes eu chuto certo...” Aposto que você vai ser poeta!

A doutora toca o telefone. Recepcionista atende “alô, doutora”, “tudo bem, doutora”.

“A doutora te espera na sala.” Que pena!

Entro na sala. Vejo frascos de várias cores e uma carteira estudantil. Vejo também uma senhora que dana a falar:

“O teste é dividido em duas partes: a cognitiva e a sensorial. Esse teste foi criado por” — meu pensamento sai da sala. Lembro-me da recepcionista. Lembro-me da última namorada. Penso no meu primeiro beijo; sabe-se lá porquê.

“(...) o cognitivo serão questões de múltipla escolha. Cada questão vai explorar uma situação. Por exemplo” — já entendi! Vamos logo com isso que o dia é curto e eu ainda tenho que saber o que vou fazer da vida!

“(...) sensorial. Vamos começar os testes?”

Animado: “Vamos!”

Ela me leva até a carteira, que fica à frente de sua mesa. Do meu lado esquerdo há uma prateleira de frascos. À direita fica a parede.

Questão primeira:

“Se você estivesse em uma festa e alguém te contasse um problema de relacionamento. O que você faz?

a) Crio uma teoria rebuscada sobre o caso. Tento aplicá-la sem muita preocupação com os sentimentos da pessoa.
b) Faço um desenho descrevendo a cena.
c) Pondero sobre a existência dos sentimentos, do quarto, da festa.”

Quero ser físico. Escolho A. Questão segunda:

“As pessoas a seu redor costumam dizer que você é:

a) Organizado e metódico.
b) Bagunçado, mas criativo.
c) Alguém com a cabeça na lua.”

Ninguém falou nada disso para mim, mas acho que é melhor que um físico seja organizado. Marco A. Questão terceira:

“Qual matéria você gosta mais na escola?

a) Física e matemática.
b) Educação artística.
c) Geografia e história.”

Se eu soubesse isso, por que eu estaria fazendo este teste, criatura? Vou de A e pronto.

As questões continuaram assim. Foi A de cabo a rabo. Talvez essa parte seja só para ela saber o que eu quero. A parte importante mesmo vai ser a sensorial.

A doutora pega cinco frascos, um de cada cor. Aqueles mesmos que vi numa prateleira quando entrei. Pergunta:

“Qual destes frascos você prefere?”

Examinei cada um com detalhe. Além da cor, existia algum material dentro deles. Algo como uma bolha colorida, ou um pedaço de madeira. Na dúvida, escolhi o laranja.

“Você tem certeza?” desconfia a psicóloga.

Olho um pouco melhor. Penso no verde, mas escolho o laranja de novo. Ela coloca os frascos de lado. Anota qualquer coisa em seu caderninho.

Ela vai até sua mesa. De uma gaveta tira cinco frascos de perfume. Passa um a um pelo meu nariz:

“Sinta bem o cheiro. Você terá que escolher um.”

Um tem um cheiro doce. Outro mais amargo. Um tem cheiro de goiaba. Um tem cheiro de quando chove. O primeiro eu esqueci. Escolho o que tem cheiro de chuva. A doutora anima-se:

“Ótimo! Pode esperar aqui mesmo. Vou ler seu teste na minha mesa e em cinco minutos vamos saber o resultado.”

Eu não sei se ela ficou feliz porque acertei ou se é porque acabou.

Cinco minutos se passaram. Ela diz para eu me aproximar. Levanto-me. Inclino-me, respeitosamente, sobre a mesa da doutora:

“Como fui?”

“Não há certo ou errado nesses testes. Pela minha análise, detecto que você tem uma enorme capacidade analítica. Sua área definitivamente são as ciências exatas. Jamais vi no meu consultório alguém com tamanha capacidade! Normalmente neste momento eu converso com o paciente para ajudar na decisão final. É comum haverem uma gama de opções. Porém, em seu caso, está muito claro. Podemos conversar sobre a disciplina que você deveria escolher na área de exatas, mas tenho certeza que você se sairia bem em qualquer delas. Acho que você seria particularmente bom em física.”

“Física!”, me empolgo, “É justamente o que eu estava pensando!”

“No seu caso é muito claro! Muitas pessoas invejam sua capacidade. Invejam, talvez ainda mais, a sua certeza sobre que área atuar. Parabéns!”

Ela estende a mão. Cumprimento animado. Será que foi isso que os frascos e cheiros diziam? Deve ser!

Saio da sala. Reclino-me sobre a mesa da secretária:

“Quanto foi a consulta?”

“Quanta felicidade! A consulta foi boa?”

“Ótima! Advinha o que eu vou ser!”

Os olhos mais bonitos me olham brilhando de paixão:

“Poeta!”

“Exatamente! Você ouviu daqui?”

“Não!”, riu empolgada, “É que você tem cara — jeito de poeta!”

“Você acha?” Ela acha!

“Claro! A consulta ficou em R$ 400,00.”

Preenchi o cheque com um sorriso que não cabia no meu rosto. Quem diria! É exatamente isso que eu quero ser. Eu sou um poeta!

“Será que seu telefone estaria disponível? É que eu gostaria de colocá-lo em um de meus versos.” Eu não sou de falar essas coisas piegas, mas isso era antes de descobrir que eu sou poeta.

“O telefone da doutora?” Aí! Será que eu passo?

“Claro que não! O seu!” Será que ela vai passar?

“Ah! Ligue-me assim que fizer um poema bem bonitinho! 998844021”

Salvo o número em meu celular:

“Anotado! Agora tenho que contar a boa noticia lá em casa!”

Nunca me senti tão animado. Desci correndo as escadas do consultório. Elevador para quê? Corri até em casa!

Minha mãe esperava animada a minha chegada. Ofereceu-me brigadeiro da travessa que tinha em mãos:

“Então, gu? Já sabe o que você vai ser, querido?”

“Sei mamãe! Vou ser poeta!”

Ela quase teve um treco.

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