Aquilo
“Felicidade é aquilo que não se tem.”
Escutou-se apenas o silêncio no ponto de ônibus. Ele já estava lá há mais tempo. Fora brevemente interrompido pela lamentação de um velho barrigudo com barba de 20cm. O velho não sabia mais sobre a vida que qualquer um outro, mas foi o único que teve coragem de conversar. Outros permaneciam em seus celulares:
“Tem um velho muito viajado aqui no ponto de ônibus.” escreveu no celular um jovem. O jovem escreveu para uma jovem. Ele gostava dela e ela também, mas eles ainda não haviam contado um ao outro.
“O que ele está fazendo?” perguntou a moça virtual. “Agora ele está deitado no banco do ponto. Acho que dormiu. Ele estava muito doido. Andando de lá para cá. Chegou no meu ouvido e disse alguma coisa sobre felicidade.” “Que medo! Toma cuidado João!” “Ele tá dormindo, não tem perigo. É só um velho, qualquer forma.” “Esse povo é perigoso! Eu estou chegando na academia, mais tarde a gente se fala, ok? Bjão!” “Bjão!”
João suspirou e colocou o telefone no bolso. Sem perceber, o velho já estava ao seu lado. Sussurrou no ouvido de João: “Você não tem.”
João, que estava em pé, perto do banco do ponto, fez uma careta e foi para mais perto do meio fio. O velho deu um passo na direção de João e disse para todos ouvirem:
“Então acha que é felicidade!”
Começou a rir feito um louco. Caiu sentado no chão. Parou de rir. Ficou encarando João. O jovem olhava para o velho de vez em quando, mas evitava encarar. Olhava só de curiosidade, para saber se o velho continuava olhando. E esse ônibus que não chega? João estava se sentindo incomodado. Pegou o celular e releu as últimas mensagens que havia trocado. Sorriu. Voltou com o celular para o bolso.
“O que você está olhando?” esbravejou João, olhando para o barbudo. Não houve resposta. João continuou “O que você quer? Quer dinheiro?”. Não houve resposta. “Sai daqui, porra! Para de me encher o saco!”. O velho continuava encarando João, mas não esboçava qualquer reação. Apenas encarava.
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