Disco voador

Tardinha. Pôr do Sol que vira noite. Anoiteceu. Do alto da praça do papa, um velho mineiro assiste a cidade se preparar para a noite. O homem do algodão doce acende as luzes do carrinho. Velho mineiro compra algodão doce. As luzes da cidade piscam à noite. Cada casa, uma vida. Cada carro, uma cabeça. Ocupado com a Terra, ele não nota as luzes que piscam no céu. Come um pedaço do algodão doce.

Um disco voador pousou ao lado do velho Victor. Ele notou de última hora, quando os grandes pneus do trem de pouso do disco tocaram o solo. Não há sentido em fugir correndo de um trem que voa, pensou. Ainda mais com uma perna ruim. Como bom mineiro, não demonstrou o susto, nem nada. Quem olhasse para Victor não saberia distinguir se ele assistia um pouso extraterrestre ou um pálio fazendo baliza. A não ser pelo algodão doce que se soltou de sua mão, denunciando surpresa.

Uma das bordas do disco se abriu feito uma porta. De dentro saiu um hominídeo alto -- dois metros de altura. Seus olhos grandes e negros encaravam a cidade. Seu nariz: um buraquinho solitário no meio da face. Não tem orelhas, apenas ouvidos atentos. A boca, sem lábios e com o mesmo formato humano, parecia esboçar um sorriso. Sua pele, lisa e cinza, era interrompida apenas pelas sardas cinza escuro de suas bochechas. Seu cabelo era volumoso e preto. Talvez fosse uma peruca. Ele usava terno e gravata. Outras pessoas teriam notado que tratava-se de um Armani. Victor, desligado que era e se fazia parecer, não reparou que o ET era tão chique. O alienígena falou:

- Boa noite.

- Noite, seu OVNI. Vem lá de São Tomé das Letras? -- disse olhando de rabo de olho. Desconfiado, curioso e assustado.

- Eu venho de muito muito longe. Vocês nem conhecem meu planeta ainda. Ele orbita a estrela que vocês chamam de Gamma Tauri.

- Então você é ET de fora de Minas?

- Eu venho de longe, de fora deste planeta.

Victor franziu a testa e espremeu os olhos:

- Como cê fala português?

- Eu estudei a língua do seu povo através de transmissões de rádio e televisão. Hoje em dia é mais fácil obter transmissões em Português do que outras línguas. Português e Chinês, mas Chinês não dá para entender.

- Sei. ET do estrangeiro... O que veio fazer aqui?

- O seu planeta é listado como um dos poucos da galáxia com vida inteligente e que não teve contato com o mundo moderno. Sou um explorador! Gosto de ir a partes inexploradas da galáxia.

- Uai, então cê veio pro lugar errado. Por aqui já tá tudo exploradinho.

- Aqui é um lugar inexplorado pelos... -- parou para pensar, como se procurasse um termo que não fosse ofensivo -- pela União Planetária da Via Láctea. Vocês não tem contatos com seres de fora do planeta, tem?

- Olha, diz que tem. Eu nunca vi. -- o velho coçou a cabeça e olhou para cima, como se tentasse lembrar de algo -- Nesses meus 60 anos eu já vi muita coisa, mas ET nunca vi. Mas diz que se for em São Tomé das Letras à noite, tá cheio. Eu mesmo já fui, mas nunca vi.

- Então esta é a primeira vez que o senhor vê um ser vindo de fora deste planeta?

- Num sei se é. -- respondeu levantando as sobrancelhas e coçando a barba.

Victor abriu os braços, fez cara de dúvida e falou:

- Você tá falando aí que é ET, mas sei não...

Os dois se encararam brevemente. O silêncio entre eles cresceu até se tornar incômodo. Victor voltou a falar:

- Se um bicho das estrelas tivesse vindo aqui mesmo, por que ele não ia falar com o presidente? Não ia passar na TV nem nada? Por que o ET ia vim falar comigo, um velho aposentado que passa o dia na praça do papa? Sei se acredito não.

- Eu sou um explorador! -- respondeu entusiasmado -- Venho a serviço da minha curiosidade. O problema é que a Terra está em uma área de reserva Universal. Pelas leis do universo, eu não deveria estar aqui. Se descobrirem, posso até ser preso! Como pode ver, não seria sábio da minha parte chamar atenção para a minha visita.

- Se você não queria chamar atenção, por que pousou no meio da cidade?

- Gosto da aventura! Aqui fico próximo da cidade, mas poucos percebem. Todos à nossa volta estão ocupados fazendo sexo ou fumando maconha. O homem do algodão doce, a única testemunha com credibilidade, parece que saiu para ir ao banheiro. É como se nós dois estivéssemos aqui sozinhos, assistindo a cidade. -- descansou seus grandes olhos sobre a cidade de Belo Horizonte -- Infelizmente não posso ficar muito tempo aqui. O truque para uma visita não confirmada é uma visita rápida!

- Vou tirar uma foto sua! -- exclamou animado -- Amanhã tá todo mundo sabendo, cê vai ver.

O extraterrestre não pareceu preocupado. Alinhou o terno e ajeitou o cabelo. Certamente era uma peruca! Victor tirou do bolso um celular antigo. O velho mineiro lembrava que alguém já fotografou com aquele celular, mas não se lembrava como. Enquanto Victor aprendia a tirar fotos, o extraterrestre perguntou:

- O que os humanos fazem aqui a noite para se divertir?

- Uai, eu fico só aqui mesmo... Peraí! -- se interrompeu assim que descobriu como operar a câmera do celular.

O velho tirou uma foto, que saiu borrada e escura.

- Olha aí! -- mostrou ao ET -- Agora todo mundo vai saber!

- Parece a foto de um homem em frente a um caminhão de natal da Coca-Cola.

- É porque cê fica mexendo! Vou tirar outra.

A outra foto ficou igualmente ruim.

- Ah, que saco! -- disse Victor -- Esse celular também é velho. Uma merda.

- Olha, senhor... -- disse o ET esperando que o mineiro terminasse a frase.

- Victor!

- Senhor Victor, conversar com o senhor foi... -- pausou esperando que a palavra certa chegasse à sua boca -- interessante. O meu nome é Agodeus. Quem sabe nos encontramos novamente no futuro? Agora eu preciso ir. Foi um prazer!

Entrou correndo em seu disco voador, que despareceu no céu.

Pouco depois, o homem do algodão doce voltou a seu posto. Victor, agitado, mancou para perto do vendedor. Se movimentou o mais rápido que sua aleijada perna esquerda o permitiu:

- Luiz! Luiz! Você viu?! -- gritava

- Calma, seu Victor! Viu o que?

- O ET! O Agnaldo! Ele pousou aqui! Acabou de ir embora!

- Que ET?! Eu não acredito nessas coisas...

- Tô te falando! Veio um ET aqui agorinha mesmo! Enquanto cê tava fora.

- Lá vem ocê com historia...

- É sério! Tenho uma foto. Olha aqui!

Victor tirou o celular do bolso e mostrou a foto. Sua mão estava trêmula. O vendedor não conseguia ver direito. Tomou-lhe o celular:

- Para de tremer! Deixa eu ver isso aqui. -- olhou calado para foto durante uns vinte segundos -- ET nada, Victor... ET de terno?! Onde já se viu? E por que tá tudo borrado assim?

- A câmera é ruim e eu tô velho. Fico tremendo um pouco mesmo. -- não escondeu uma ponta de decepção no olhar -- Tava assustado também... Mas dá pra ver! Olha atrás aí o disco voador! Tem outra foto também!

Luiz passou os olhos na segunda foto, mas não mudou em nada sua postura:

- Foto de ET é sempre assim, né? -- desdenhou -- Isso atrás não parece disco voador. Sabe o que parece? Parece aqueles caminhões que passam aí no natal, sabe?

- Da Coca-Cola?

Luiz deu uma gargalhada, acreditando que o idoso o acompanharia. Isso não aconteceu. Victor entristeceu o semblante e disse:

- Eu estou falando sério, pô!

- Você deve tá se confundido, Victor. -- disse o vendedor com as mãos nas costas do velho -- Se veio algum ET aqui, o povo aqui em volta não viu? Ninguém tá falando nada.

Victor ficou vermelho e esbravejou:

- Esse monte de moleque enchendo o cu de maconha e transando?!

- Calma. Aqui, toma uma coca. -- abriu uma lata por conta da casa e deu a Victor -- Deixa isso pra lá...

- Eu vi o Agnaldo! Eu juro! -- suspirou e tomou um gole no refrigerante que ganhou.

- Agnaldo Ferreira não era um colega seu?

- Não... -- disse cabisbaixo -- Era o ET!

- Tá bom, Victor. Você viu um ET. Mas agora acabou, né? O que há de fazer?

Victor levantou a cabeça, abriu um sorriso, e falou em tom de denuncia:

- Vou mandar as fotos pro Estado de Minas!

- Essa foto de um cara de terno na frente de um caminhão de Coca-Cola? Deixa isso pra lá. Olha, já tá ficando tarde. Eu já tô indo embora. -- era mais cedo que o usual -- Se quiser, eu te deixo em casa hoje. Cê qué?

- Tá bom. Mas eu juro que vi o extraterrestre!

Luiz não quis criar caso. Apenas deu tapinhas nas costas do velho e concordou.

Victor ajudou o vendedor a desmontar o carrinho de algodão doce e colocar no carro. Eles desceram a avenida Agulhas Negras conversando sobre futebol como velhos amigos. Ninguém nunca mais ouviu falar de Agodeus ou Agnaldo.

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